O Mito do Sonho Americano e o Boom dos Moradores de Rua nos EUA

Por: Rodrigo Lins*
Nos últimos dez anos, tenho me dedicado à pesquisa sobre o sistema de imigração dos Estados Unidos, analisando não apenas as promessas feitas àqueles que buscam uma vida melhor, mas também àqueles que já nasceram na terra das oportunidades. Durante esse tempo, vi milhares de pessoas perseguirem o “Sonho Americano”, movidas pela ideia de que, nos Estados Unidos, qualquer um pode alcançar o sucesso, independentemente de suas origens ou circunstâncias. No entanto, os dados e as realidades vividas por muitos continuam a mostrar que esse sonho se tornou, cada vez mais, uma ilusão—principalmente quando olhamos para a crescente crise de moradia no país.
Em janeiro de 2023, um número alarmante de 653.104 pessoas vivenciaram a situação de sem-teto em uma única noite, o maior número registrado desde 2007. Esse dado não representa apenas números, mas sim vidas—indivíduos e famílias—marcadas pela incerteza, instabilidade e negligência sistêmica. O mais preocupante é que esse número reflete um aumento de 12,1% em relação ao ano anterior, indicando que mais americanos do que nunca estão se vendo sem um lar. Os dados foram coletados pelo Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA (HUD), que realiza anualmente a contagem de pessoas em situação de rua durante o inverno.
Esses números não são apenas estatísticas—eles refletem uma falha fundamental de um sistema que promete liberdade, oportunidades e prosperidade para todos. A taxa nacional de desabrigados nos EUA é de 19,4 pessoas a cada 10.000 residentes, com estados como Califórnia (181.399 desabrigados), Nova York (103.200 desabrigados) e Flórida (30.756 desabrigados) sendo os maiores responsáveis pela crise. Este não é um problema localizado; é uma crise nacional.
O mais chocante é o número crescente de pessoas que estão vivenciando a falta de moradia pela primeira vez. Cada vez mais, indivíduos se encontram nas ruas, impulsionados pela falta de habitação acessível e pelo aumento do custo de vida. De fato, quase 40% das pessoas em situação de rua nos EUA estavam sem abrigo, enquanto 60% viviam em abrigos. Esse dado revela que a crise não é apenas uma questão de deslocamento temporário, mas sim de um problema mais profundo e sistêmico relacionado ao mercado imobiliário, aos salários e às condições de vida.
A situação de moradia nos Estados Unidos não é apenas uma questão econômica, mas também racial. Negros americanos são desproporcionalmente afetados, com a maior taxa de desabrigados entre os grupos raciais e étnicos. Essas desigualdades estão enraizadas em uma história de racismo estrutural, mas também evidenciam as falhas das políticas atuais que pouco fizeram para combater a desigualdade social e racial no mercado de habitação e no acesso ao emprego.
Enquanto muitos ainda se apegam à esperança de que qualquer um, com esforço suficiente, pode superar suas dificuldades, a realidade de um número crescente de pessoas diz uma história diferente. Uma em cada 200 pessoas nos EUA viverá a experiência de estar sem-teto em algum momento de um ano, e em algumas regiões do país, essa probabilidade é ainda maior. Seja por conta do aumento dos preços de aluguel, despesas médicas, perda de emprego ou outros fatores, muitas pessoas não conseguem acompanhar o aumento contínuo do custo de vida. E com a escassez de habitação, o sonho da casa própria, ou mesmo de ter um lugar estável para morar, continua fora do alcance para muitos.
Em Orlando, cidade mais procurada por brasileiros em busca do sonho americano, a magia é apenas para turistas. Em 2024, a região Central da Flórida enfrentou uma crise de falta de moradia sem precedentes, com o número de pessoas sem abrigo mais do que dobrando em relação ao ano anterior. De acordo com dados recentes da Homeless Services Network of Central Florida, o número de pessoas sem abrigo na região subiu de 587 em 2023 para 1.201 em 2024, marcando um aumento alarmante de mais de 100%. Esse aumento significativo no número de pessoas sem abrigo reflete uma tendência mais ampla: o total de pessoas em situação de rua em Orlando e região cresceu 28%, de 2.258 em 2023 para 2.883 em 2024.
Dados da National Alliance to End Homelessness mostram que na Califórnia, onde quase 30% de todos os desabrigados nos EUA estão concentrados, e em Nova York, onde a taxa de desabrigados é uma das mais altas do país, a situação atingiu níveis críticos. Cidades como São Francisco e Los Angeles se tornaram símbolos dessa crise, com bairros inteiros sendo marcados pela presença de pessoas em situação de rua. E, ainda assim, ouvimos repetidamente o mantra do Sonho Americano, um sonho que parece cada vez mais inatingível para aqueles que vivem nas ruas.
É hora de propagarmos a verdade: O Sonho Americano está se tornando um mito, especialmente para os milhões de pessoas que estão sendo deixadas para trás. Enquanto alguns alcançam o sucesso, muitos outros caem nas lacunas do sistema, incapazes de garantir as condições mínimas para sua sobrevivência. Para aqueles que vivem na rua, a promessa do Sonho Americano é uma ilusão cruel.
Até que abordemos as causas profundas dessa crise—habitação acessível, estagnação salarial e acesso à saúde—e deixemos de fingir e promover a narrativa da fábrica de vistos, estimulada pelas consultorias migratórias que somente visam lucros, que o “Sonho Americano” é uma realidade para todos, continuaremos a ver mais pessoas caindo pelas brechas. O Sonho Americano não está vivo para todos; para muitos, é um objetivo distante e inalcançável.
É hora de redefinir o que significa realmente ter sucesso nos Estados Unidos e nos perguntarmos se estamos, de fato, oferecendo um lugar para todos chamarem de lar.
- Rodrigo Lins Jornalista, escritor, empresário e pesquisador da Imigração dos Estados Unidos